Com apoio do governo federal e do Congresso, patrões querem reduzir as pausas para “recuperação térmica” de trabalhadores de frigoríficos. Mais de 538 mil serão prejudicados
São Paulo – A saúde de mais de 538 trabalhadores de frigoríficos de todo o país corre sério risco. Com apoio do governo de Jair Bolsonaro e do Congresso Nacional, empresários querem alterar leis e normas que regulam o trabalho no setor. Um dos efeitos imediatos, caso a proposta seja aprovada, é a redução do tempo de descanso, a chamada “recuperação térmica”.
Conforme reportagem da Repórter Brasil, a alteração do marco regulatório do trabalho em frigoríficos requer modificação do artigo 253 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Pela atual redação, o trabalhador tem direito a pausas de 20 minutos a cada uma 1 hora e 40 minutos de trabalho. O período é importante para a “recuperação térmica” do corpo.
Essa parada, porém, está na mira do projeto de lei (PL 2.363/2011), em discussão na Câmara. Se o PL for aprovado, haverá garantia dos intervalos apenas para os empregados que trabalham em setores com temperaturas abaixo de 4°C ou quando estiverem movimentando cargas entre ambientes com grande diferença de temperatura.
Direito à saúde negado
Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), situações como estas se aplicam a 5% de todos os trabalhadores do setor. Ou seja, 95% dos trabalhadores em frigoríficos brasileiros não teriam mais a garantia do direito fundamental à saúde.
Há previsão de alteração também na Norma Regulamentadora (NR) 36, que orienta o trabalho em abatedouros. A NR estabelece pausas de 10 minutos para evitar acidentes e atenuar doenças ocupacionais. No final de 2020, o governo federal abriu consulta pública para colher sugestões de mudanças da norma e deve publicar nova versão ainda neste primeiro semestre.
“Se a proteção for esvaziada, nós vamos constatar um grande número de lesionados e mutilados. Não temos dúvidas disso”, disse à Repórter Brasil Célio Elias, dirigente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação de Santa Catarina. O estado é grande produtor de carne de aves.
Já o procurador do MPT Lincoln Cordeiro disse que “é inconcebível que na pior crise sanitária da história, em que os trabalhadores dos frigoríficos, qualificados como essenciais e que continuaram normalmente seu labor para garantir alimentos à sociedade, tenham retirados quaisquer direitos relacionados à saúde e à segurança no trabalho”.
Trabalhadores desprotegidos
O setor foi um dos principais responsáveis pela disseminação do coronavírus em cidades de médio porte e em aldeias no Mato Grosso do Sul, segundo estudo do Ipea. Em São Miguel do Guaporé (RO), a JBS foi condenada março a pagar indenização de R$ 20 milhões por expor trabalhadores ao vírus da covid-19 em um frigorífico sem o devido distanciamento social e equipamentos de proteção individual.
Em julho, o MPT já havia solicitado a paralisação das atividades de 11 abatedouros para conter a disseminação.
Submetidos a baixas temperaturas, os trabalhadores fazem movimentos intensos e repetitivos, geralmente manuseando facas, serras e outros instrumentos cortantes, passíveis de sofrer tendinites, dores lombares e acidentes.
Em 2019, foram quase 23 mil acidentes, segundo o Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho. O setor está entre os dez que mais demandam benefícios do INSS com auxiílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Redação: Cida de Oliveira / RBA