O Brasil recebe, em média, uma notificação de acidente laboral a cada 49 segundos, sendo que um trabalhador morre a cada 3 horas e 43 minutos. Os dados chocantes são do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, projeto elaborado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em conjunto com a OIT.
Por Orlando Silva
Entre os anos de 2012 e 2018, o estudo contabilizou 16.455 mortes e mais de 4,5 milhões de acidentes em virtude do trabalho, verificando ainda uma alta entre os anos de 2017 e 2018, justamente o período posterior à entrada em vigor da Reforma Trabalhista. Não chega a surpreender, pois a nefasta reforma desestruturou as relações capital-trabalho, terceirizou e precarizou sobremaneira a mão-de-obra através de expedientes como o trabalho intermitente e outros.
O problema é tão alarmante – uma verdadeira epidemia – que, por minha sugestão, a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados criará um grupo permanente, do qual serei relator, para acompanhar, debater e propor soluções legislativas para a prevenção de acidentes e doenças no trabalho.
Atividades como atendimento hospitalar, comércio de produtos alimentícios, administração pública, construção de edifícios, transporte de cargas e Correios são algumas das que estão no topo da lista de acidentes notificados. Como se pode ver, são setores econômicos organizados, alguns regulamentados pelo poder público, pois a pesquisa trata apenas de relações de emprego formal.
Cabe, então, questionar: se no mercado de trabalho formal a situação já é tão grave, qual não será o descalabro que impera diante da precarização e da “uberização” a que estão submetidos milhões e milhões de trabalhadores, num momento em que a informalidade superou as garantias da “carteira azul”?
Nosso país está entre as 10 maiores economias do mundo, possui setores dinâmicos em que a tecnologia e o trabalho especializado são marcantes. Mas esse Brasil moderno coexiste com o atraso, com formas de trabalho desumanas e até análogas à escravidão, além de uma massa crescente de trabalhadores de aplicativos de entrega que emerge nas grandes cidades. Esses últimos já somam 3,8 milhões de “autônomos”, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE.
Recente estudo da Associação Aliança Bike mostra que existem cerca de 30 mil ciclistas na cidade de São Paulo que trabalham como entregadores para aplicativos de internet. O perfil deles é de jovens, entre 18 e 27 anos, das periferias da cidade, que chegam a trabalhar até 12 horas por dia, durante os 7 dias da semana, para auferir uma remuneração média de 936 reais.
Outro dia fiquei pasmo ao passar pelo Largo da Batata e ver pessoas dormindo em barracas na praça com bicicletas presas ao lado. Conclusão: após a extenuante jornada diária, muitos desses jovens sequer estão voltando para suas casas e têm passado noites ao relento como moradores de rua transitórios. É inconcebível!
Em julho, causou grande consternação a morte de um entregador do aplicativo Rappi, que passou mal enquanto fazia um atendimento. Os clientes entraram em contato com a empresa, que não se dignou a mover uma palha pelo trabalhador que agonizava. Ainda tentaram que um motorista de Uber levasse o rapaz ao hospital, mas este se recusou. Por fim, como a atestar a falência também dos serviços públicos, o Samu não chegou a tempo de evitar a tragédia.
As plataformas digitais vieram para ficar e representam um novo desafio para o mundo do trabalho, mas é urgente algum tipo de regulamentação que não deixe à deriva esse contingente crescente de pessoas que as utilizam como fonte de renda auxiliar ou principal.
O Brasil não reencontrará os caminhos para o crescimento econômico deixando que a selvageria se instale nas relações de trabalho. Não haverá desenvolvimento se relegarmos as melhores energias dos nossos jovens à exploração sem limites. É necessário encontrar um novo ponto de equilíbrio nas relações capital-trabalho que, desde o governo Temer, têm sido desbalanceadas para dar tudo aos ricos e tirar o couro dos pobres.
Fonte: Portal Vermelho